“Caminhando pela floresta, pergunto-me porque tenho frio...
Será mesmo frio que sinto... Ou apenas falta de calor?
Olho estes pássaros...
Vivem, voam, dormem...
E não sentem frio algum.
Então porque o sinto?
Pergunto-me... e pergunto-o.”
De volta a mim, sobressalto-me neste banco de jardim. Frias as minhas mãos... Sopro em vão um bafo quente. A cidade parece-me fria, mas pergunto-me se assim se sente...
Caminhando pela rua, encolho-me com este sopro frio... Acho que também o vento assim se sente, e corre para tentar aquecer.
Um vagabundo encontro, dormindo... Suas poucas roupas são abraçadas pelos jornais de histórias que não lhe interessam; Aproximo-me e pergunto-lhe:
“Vagabundo, de zelosas roupas... Neste inverno de frio afiado, não te sentes tu gelado, em tão frágil roupa embrulhado?”
“Mas que queres, oh rapaz? Minha pele já não sente este frio... Apenas meu triste coração, sente o frio da solidão...”
Lamentável, a situação... Alguém que vive, pois continua a sentir... Abandonado como quem morreu, como sua pele, que de tanto bréu, esqueceu a emoção que se sente, ao sentir quente o abraçado, o galopante coração.
Apaga-se-me entretanto o pesar, ao ser-me reflectido na cara um sorriso, por esta criança tão abraçada, sem frio algum, a brincar.
“Criança de inocentes penas, não te sentes com frio aqui? Não preferes temperaturas amenas, na praia, brincando, correndo... Como se estivesses num rally?”
“Não me interessa o frio, eu estou bem! Brinco sempre, com chuva ou Sol, frio ou quente, esteja de dia, ou noite escura como o escuro Tártaro da vida além!”
Desata a correr a criança, completando sua resposta... Serei o único com frio aqui? Que fazer, o que desejar?... Quem imitar? Deverei desejar ser uma criança? Ou um abandonado, sem ninguem para amar? Será que terei sempre frio, sendo esta pessoa que vivo, sem que nada o possa mudar?
Não me conformo, sigo pela cidade...
“Oh pedra da calçada, sejas escura ou sejas clara... Sentes tu frio, neste dia que apenas a alma me não deixa congelada?”
Tivessem elas ouvidos para me ouvir, e boca para falar... E decerto diriam como as pessoas sobre elas a andar, as crianças sobre elas a rir, e os animais sobre elas a passear, as aconchegavam, e aqueciam.
“Morreu-se-me o Sol, pois apenas sinto a Lua... chovendo sua neve, sobre minha alma nua...”
Uma árvore que se mexeu, parece-me ter ouvido...
“Ouviste-me tu, árvore de cor fria... sentes-te gelada ou quente neste branco e solene dia?”
“Fria de cor, mas tão cheia de amor... Não, não me sinto com frio. Sinto-me quente, minha alma aquecida... Pois tenho o meu lugar, nesta calçada assim nascida, para o espaço embelezar, e aos pássaros dar guarida... Sentes-te frio porquê, oh rapaz tão peculiar? Que sentes em tua alma? Possui ela algum lugar... Alguém a quem amar?”
“Não sei de mim... Pergunto-me, e o vento sopra.”
Afago a casca da sábia de madeira... e desejo ser como ela...
“Sinto fria a tua mão... Agarraste o vento breve... Construiste um boneco de neve... Ou seguras nela teu coração?”
As minhas mãos... Sim, agora que olho para elas, apercebo-me que me enregelo quando elas se esfriam... Preciso de as aquecer.
Um carro de bifanas... Sim! Quentes... Na algibeira encontro alguns trocos, que logo troco pelo alimento...
Corro, com a bifana, quente nas minhas mãos.
“Vagabundo, de pele gelada, não sentes o estomago frio, numa fome insaciada?”
Troco a bifana por um sorriso... E continuam quentes as minhas mãos.
Um gato, uma girafa, um cão... Qualquer animal, feito de um balão! Vejo-os a flutuar... e parecem-me tão quentes! Persigo-os a correr, para mais uns trocos trocar.
“Criança, quente de alma, sente quente em tua mão, como eu sinto no coração... o fio deste balão.”
Troco o balão por um sorriso... E continuam quentes as minhas mãos.
Olho o Sol, que se põe. Alaranjado, aquece minha visão. Sorrio, e toco-lhe com uma mão... Estico a outra para a Lua... e abraço ambos, frios ou quentes... com meu aquecido coração.